Partes ? Interessadas ?
Quantas vezes já lhe perguntaram, ou até mesmo você tenha se perguntado, o quanto a sustentabilidade pode ser boa para o negócio ? Quantas vezes você apresentou casos de empresas que foram bem sucedidas com suas estratégias de sustentabilidade, mas alguém de sua empresa comentou: “aqui é diferente” ? A sustentabilidade é, por essência, a arte de entender e considerar o “outro”. Mas o outro, é outra história !
A eterna busca
“Diga-me quanto ganharemos que te direi o tamanho do orçamento”Talvez esta seja a máxima que impera nos negócios atualmente. Podemos concordar ou não, mas o fato é que este é o canal de diálogo mais eficiente para se entabular uma conversa estratégica com as empresas sob qualquer tema. Não poderia ser diferente para o caso da sustentabilidade na maioria dos casos.
Neste sentido, diversas organizações se debruçaram para tentar entender qual o retorno que a sustentabilidade pode trazer ao negócio.
De todos os que conheço, a publicação do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) intitulada “Corporate Ecosystem Valuation – Building the Business Case” é uma daquelas que endereça este ponto de forma mais objetiva.
Detenha-se aos exemplos apresentados pelo estudo e tente, por um instante que seja, imaginar qual seria a reação dos executivos de uma empresa aqui no Brasil ao conectar estes riscos e oportunidades apresentadas com o negócio que dirigem.
Se você trabalha em alguma empresa onde os exemplos acima dizem pouca coisa ou não dizem nada, certamente a estratégia de utilizar estes argumentos não seria a mais adequada.
É claro que devemos olhar para a proposta desta publicação apenas como um guideline que orienta como se estrutura um Business Case de Sustentabilidade, e para tanto, precisaríamos identificar (dentro do escopo do negócio analisado) quais seriam os riscos e oportunidades que mais façam sentido para os tomadores de decisão.
Riscos e oportunidades somente são úteis quando os tomadores de decisão percebem fazer algum sentido para o negócio que dirigem, na mesma perspectiva de tempo que estes são cobrados pelos resultados. Em outras palavras, se são avaliados pelo curto prazo apenas, pouco adiantará apresentar riscos e oportunidades de médio/longo prazos. Na maioria dos casos, isto não funciona.
Torre de Babel
Darei uma longa volta agora, mas é necessário: não é possível falar de riscos e oportunidades para o negócio sem tocar no tema das partes interessadas.No início de 2007, estávamos em um projeto de sustentabilidade junto a uma empresa líder em seu setor de atuação no mercado doméstico e iniciando seu processo de internacionalização. Buscávamos identificar os stakeholders e suas demandas de presente e futuro para, a partir daí, identificar os riscos e oportunidades do negócio no campo da sustentabilidade.
Àquela época, sentíamos que os métodos existentes para identificação de partes interessadas, bem como suas demandas presentes e latentes, não nos atendia. Isto porque temos no Brasil uma cultura muito própria e uma forma de pensar “relacionamentos” um tanto diferente de países onde o controle social sobre as empresas é muito maior. Até aí nenhuma novidade, pois já sabíamos há muito que métodos desenvolvidos em culturas diferentes da nossa não poderiam ser aplicados em sua totalidade e precisariam ser, como dizem os profissionais de tecnologia da informação, tropicalizados.
Começamos então a repensar o conceito de partes interessadas para a realidade dos executivos que lidávamos localmente, a partir de algumas premissas:
1) Uma parte interessada deve representar um agente da sociedade que seja representativo na relação com a empresa;
2) A representatividade da parte interessada é dada por múltiplos fatores combinados: seu poder de impactar o negócio, a natureza deste impacto, sua importância em relação ao todo que ela representa, os potenciais riscos e oportunidades para a manutenção do negócio e da parte interessada em si e, o mais importante, os aspectos éticos independentes de todos os demais fatores mencionados (manutenção da vida, dignidade, liberdade, respeito, dentre outros);
3) A perspectiva temporal a ser considerada na análise deve levar em consideração não apenas o presente, mas sobretudo o futuro. Não apenas os casos conhecidos, mas os casos com possibilidade de ocorrerem;
4) As partes interessadas se relacionam de múltiplas formas com o negócio: direta, indireta e sistemicamente (veremos mais sobre isso adiante).
Mencionei no post Cadê o foco ? que uma das possibilidades que temos é nos utilizarmos de agendas já conhecidas, como por exemplo o estudo da Fundação Dom Cabral acerca dos desafios de sustentabilidade brasileiros. Entretanto, este estudo é útil para o início do processo da sustentabilidade na empresa. Em certos momentos, é importante trazer a realidade à tona, fazendo valer as opiniões e demandas do conjunto de partes interessadas em relação ao negócio em si.
Todavia, quando se começa a questionar quais são as partes interessadas de um negócio, chega-se a números incrivelmente não imaginados antes do processo, o que dificulta bastante sua priorização (média=40 e máximo=90 nos projetos que já realizamos). Adicionalmente, a questão de presente e futuro também traz muitas incertezas acerca do que e como considerar neste processo.
A experiência tem nos mostrado que as partes interessadas podem ser classificadas em pelo menos 3 grandes grupos, todos eles expressando o nível de relacionamento destas com o negócio:
- as que se relacionam diretamente com o negócio,
- as que se relacionam indiretamente e
- aquelas cujo relacionamento é sistêmico.
Portanto, para que não soe como uma Torre de Babel os resultados do mapeamento de todas estas demandas, é importante ter alguns critérios sobre como identificar, mapear e priorizar as partes interessadas com as quais se pretende trabalhar no âmbito da agenda de sustentabilidade.
Partes interessadas de relacionamento direto – são as mais óbvias, por se apresentarem ao negócio de forma explícita. Por exemplo os clientes, as comunidades do entorno ou os fornecedores. São fáceis de identificar, o processo de entendimento de suas demandas não apresentam grandes dificuldades por um simples fato: você sabe quem são e consegue acessá-las de forma relativamente simples. Peguemos um exemplo:
Partes Interessadas de relacionamento indireto – são aquelas cujo relacionamento com a organização não se dá de forma direta, mas indiretamente. Quase sempre são “outras partes” que falam em nome das diretas, como por exemplo o Governo, as ONGs, as Associações de Moradores do entorno da empresa, o Sindicato dos funcionários. Estas partes interessadas ainda são facilmente identificadas, entretanto, sua manifestação em relação à empresa, quando ocorre, tende a representar algum grau de tensão pelo fato de, na relação direta, as questões não terem sido resolvidas entre os envolvidos. Usualmente as partes interessadas da relação do tipo “indireta” tendem a se manifestar pelo interesse de um coletivo pouco ou nada atendido.
Um caso recente desta relação indireta ocorreu no segmento de call centers. Cansados de protocolar ações no PROCON, o Governo apresentou e aprovou projeto de lei regulamentando este tipo de atendimento. O mesmo aconteceu com os bancos no caso das portas giratórias, ou ainda no recall de veículos da empresa FIAT para o modelo Stilo.
Diversos são os casos conhecidos que não envolvem apenas representantes de consumidores ou clientes, mas também funcionários, comunidades do entorno, comunidades de redes sociais, dentre outros.
Partes interessadas de relacionamento sistêmico – por fim, mas não menos importante (pelo contrário!), o caso das relações sistêmicas. Este caso envolve um número maior de partes interessadas tratando de determinados temas ou organização. Assume uma dimensão global, envolve especialistas, mídia, blogs, redes sociais, enfim, todo o conjunto da sociedade. Quando um caso de reação sistêmica ocorre quanto a um projeto, uma empresa ou mesmo em relação ao governo, os impactos negativos assumem proporções de maior escala.
Casos recentes de relações sistêmicas que podemos citar são Usina Belo Monte, o impacto do relatório do Greenpeace em relação à Amazônia brasileira, o caso de discriminação de aluna do campus ABC da Universidade Uniban.
De volta à eterna busca
Sabemos que a identificação das partes interessadas é importante. Porém, mais importante do que identificá-las, é entender o que demandam hoje e no futuro em relação ao negócio da empresa. Ainda assim, é importante entender as demais partes interessadas que estão indiretamente ou sistemicamente ligadas e como estas tendem a se comportar.Algumas constatações que podemos traçar a partir daí, no tocante ao que realmente pode ser importante:
1) Entender as partes interessadas cujo relacionamento se dá de forma sistêmica com o negócio – só assim a empresa conseguirá se antecipar a elas, tratando os riscos e oportunidades com o tempo devido. Merecem especial atenção as empresas cujos negócios estejam em setores da atividade econômica mais expostos às questões da sustentabilidade, como por exemplo os chamados “temas controversos” (plástico, petróleo, agronegócio em escala, dentre tantos outros).
2) Articular-se junto às partes interessadas cujo relacionamento se dá indiretamente com o negócio – só assim a empresa conseguirá dialogar, defender seu interesse dentro de premissas pré-acordadas entre os atores. Pode ser difícil, dado ser um espaço de constante tensão. Mas é desta tensão que devem surgir resoluções que sejam boas para todos no longo prazo, por terem sido minimamente acordadas. Negligenciar a existência deste espaço, não estar aberto ao diálogo, não saber ceder, não saber exigir quando necessário, pode vir custar caro para a empresa no futuro, seja pelo lado do risco, seja pelo lado da oportunidade.
3) Dialogar junto às partes interessadas cujo relacionamento se dá diretamente com o negócio – junto a estas, atuar no relativamente óbvio: ouvir, dialogar. Afinal, estão conectadas ao negócio diariamente e nada mais lógico do que começar o exercício de diálogo com estas.
Comecei este post falando da busca pelos resultados que a sustentabilidade pode trazer aos negócios. Passei pela proposta do WBCSD que trata da elaboração de um Business Case e, na seqüencia, abordei os aspectos ligados às partes interessadas.
Para que tudo isso ?
Nenhum negócio produz resultados contínuos se não estiver alinhado com a sociedade de seu tempo e se não reconhecer a tendência de sua evolução. Portanto, ser sustentável é estar alinhado a esta sociedade, suas demandas, seus desejos, suas contradições. Uma empresa não conseguirá se manter (seja no curto, médio ou longo prazos) se não entender de que sociedade estamos falando. Parece óbvio quando dito, mas convenhamos, não é isto o que muitas empresas têm feito ou priorizado.
Mas não é muito inteligente de nossa parte lutarmos contra a maré. É claro que precisamos, sempre que possível, tocar na nota “uma empresa sem visão de longo prazo não se sustenta, assim como uma sociedade não se mantém sem um projeto de longo prazo”. Tocar nessa nota é como fixarmos uma marca em nossa trajetória de sustentabilidade na empresa: todos vão se lembrar, mas poucos se sensibilizarão e mudarão de fato no presente, no curto espaço de tempo.
Logo, como o queremos é fazer que a sustentabilidade avance dentro dos limites possíveis, onde puxamos a corda até o limite, mas sem rompê-la, vejo que algumas mudanças na forma como tratamos deste tema devam ser consideradas. Devemos não apenas mirar no longo prazo, mas sim passar a adotar estratégias mais adequadas ao foco do foco de nosso cliente interno, dos tomadores de decisão. Se a realidade que vivem, se a forma como são cobrados está intimamente ligada ao curto prazo, como podemos trazer questões de curto prazo relacionadas às partes interessadas que possam significar algo de concreto para uma ação efetiva ?
Não nos esqueçamos que, há não muito tempo, muitas questões eram consideradas de longo prazo e são hoje uma realidade, como: as cotas para deficientes e portadores de necessidades especiais, as questões de assédio moral e sexual, questões relacionadas a gases de efeito estufa, os licenciamentos ambientais para obras de infra-estrutura e de alto impacto, a participação da sustentabilidade nos espaços de notícia, dentre tantas outras.
O desafio de todos que trabalham com sustentabilidade é identificar temas que façam sentido no contexto das prioridades das lideranças. Podem ser no curto, médio ou longo prazos, não importa. O importante é encontrar uma forma de entrar na agenda a partir de assuntos relacionados ao contexto da empresa (leia-se: partes interessadas) que possam, primeiramente, representar oportunidades (afinal, é muito melhor tratarmos destas – agenda positiva) e depois, os riscos. Sejam nas oportunidades ou nos riscos, repito, é importante que façam sentido para as lideranças.
Finalizando, se quisermos construir um Business Case de Sustentabilidade, são estes os fatores que devemos levar em consideração. Não adianta “importarmos” modelos de impactos. É imperativo analisarmos e criarmos o nosso próprio modelo, mediante uma detida análise do entorno da empresa, seja pela ótica da oportunidade, seja pela ótica do risco.
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