Wednesday, August 25, 2010

O Relojoeiro Cego

"Por razões que não me são inteiramente claras, o darwinismo parece ter maior necessidade de defesa do que outras verdades igualmente bem estabelecidas de outros ramos das ciências. Muitos de nós não entendemos nada de física quântica ou das teorias de Einstein sobre relatividade especial e geral, mas isso não nos leva a fazer oposição a essas teorias! Mas o darwinismo, ao contrário do "einsteinismo" parece ser visto como legítimo saco de pancadas por críticos de todos os graus de ignorância. Suponho que um dos problemas do darwinismo, como bem observou Jacques Monod, é que todos pensam entendê-lo. Com efeito, tratase de uma teoria notavelmente simples - pensando bem, até mesmo infantil em comparação com quase todas as teorias da física e da matemática. Essencialmente, ela se resume à idéia de que a reprodução não aleatória, conjugada à variação hereditária, terá conseqüências de grande alcance uma vez que estas tenham tempo para ser cumulativas. Mas temos boas razões para crer que essa simplicidade é enganadora. Vale lembrar que, por mais simples que ela pareça, ninguém pensou nessa teoria antes de Darwin e Wallace, em meados do século XIX, quase duzentos anos depois dos Princípios de Newton e mais de 2 mil anos depois que Eratóstenes mediu a Terra. Como é possível que uma idéia tão simples não tenha sido descoberta por pensadores do calibre de Newton, Galileu, Descartes, Leibniz, Hume e Aristóteles? Por que ela teve de esperar por dois naturalistas vitorianos? O que havia de errado com os filósofos e matemáticos que a deixaram escapar? E como pode ser que uma idéia tão poderosa ainda seja tão estranha aos olhos do grande público? É quase como se o cérebro humano tivesse sido especificamente concebido para não entender o darwinismo, para achá-lo inacreditável. Tome-se como exemplo a questão do "acaso", tantas vezes melodramaticamente adjetivado como acaso cego. A maioria das pessoas que atacam o darwinismo agarra-se com avidez indecorosa à idéia errônea de que nele tudo é acaso e aleatoriedade. Uma vez que a complexidade dos seres vivos encarna a própria antítese do acaso, obviamente quem pensar que o darwinismo se resume ao acaso não terá dificuldade em refutá-lo! Uma das minhas tarefas será destruir o mito sofregamente acalentado de que o darwinismo é uma teoria do "acaso". Outro fator que talvez nos predisponha a não acreditar no darwinismo está em nosso cérebro, que foi feito para lidar com eventos em escalas de tempo radicalmente diferentes daquelas que caracterizam a mudança evolutiva. Estamos equipados para observar processos que se desenrolam em segundos, minutos, anos ou, no máximo, décadas. O darwinismo é uma teoria de processos cumulativos tão lentos que se desenrolam ao longo de milhares e milhões de anos. Todos os nossos juízos intuitivos sobre o que é provável mostram-se errados por larga margem. Nosso refinado instrumental de ceticismo e teoria da probabilidade subjetiva erra tanto o alvo justamente por ser calibrado - ironicamente, pela própria evolução para atuar no âmbito de algumas décadas. Escapar da prisão dessa escala de tempo familiar requer um esforço de imaginação."

- Richard Dawkins

Enjoy!

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